Quando tudo parece fragmentado — públicos, sistemas, linguagens, necessidades — talvez a saída não seja buscar a homogeneidade, mas mapear a realidade a partir da utilidade. E é aí que entram os Casos de Uso.
Leonardo Carraretto
Você já tentou organizar uma estratégia de aprendizagem em uma grande empresa com múltiplas plantas, dezenas de unidades de negócio, funções operacionais e cargos corporativos, públicos técnicos e administrativos, diferentes níveis de maturidade digital — e, para completar, fusões recentes ou reestruturações em curso?
Tentar segmentar por personas, nesse cenário, pode ser como montar um quebra-cabeça onde cada peça muda de forma a cada nova reunião.
Por isso, cada vez mais empresas estão percebendo: não se trata apenas de desenhar perfis ideais, mas de entender como o conhecimento entra em ação em cada contexto real. O ponto de virada? Casos de Uso.
Na tecnologia, Casos de Uso são descrições específicas de como um usuário interage com um sistema para atingir um objetivo. Eles não tratam de perfis genéricos ou jornadas abstratas. Tratam de situações reais, acionáveis, com contextos definidos e resultados esperados.
Aplicar essa lógica à aprendizagem e desenvolvimento organizacional é reconhecer que o conhecimento só faz sentido quando responde a uma necessidade concreta de uso — seja tomar uma decisão, aplicar um procedimento, liderar uma mudança ou resolver um problema.
Em vez de perguntar “quem é o colaborador?”, pergunta-se: “O que esse colaborador precisa fazer? Em que contexto? Com que recursos? Sob qual pressão?”
Essa abordagem leva o design de soluções educacionais para um novo patamar: o da utilidade situada.
Esse movimento também articula duas dimensões cada vez mais evidentes no RH estratégico:
A busca por sinergia interna, conectando subsistemas como cultura, T&D, comunicação, inovação e performance numa entrega integrada de valor.
A incorporação transdisciplinar de repertórios e práticas de outras áreas — como UX, marketing, tecnologia, change management e ciência de dados — na arquitetura das soluções de gente e gestão.
Os casos de uso operam como ponte entre essas duas forças. Eles permitem estruturar projetos integrados (alinhados à estratégia) e, ao mesmo tempo, absorver métodos de observação, mapeamento e entrega vindos de outros campos de conhecimento.
MODELO TRADICIONAL
- Personas fixas baseadas em perfis genéricos
- Jornadas lineares ou padronizadas
- Diagnóstico demorado e pouco acionável
- Soluções únicas para grandes públicos
- Conteúdo como fim
ABORDAGEM POR CASOS DE USO
- Situações reais com foco em ação e contexto
- Interações personalizadas por cenário operacional
- Mapeamento ágil e centrado na tarefa
- Micro soluções orientadas a diferentes desafios
- Conhecimento como meio para executar com eficiência
Imagine uma empresa com cinco unidades industriais em regiões distintas, cada uma com seu próprio parque fabril, cultura local e desafios técnicos. Você quer desenvolver competências de liderança para supervisores operacionais.
Em vez de criar um programa genérico de liderança, você estrutura os seguintes casos de uso:
Cada um desses cenários se torna uma base para desenhar conteúdo, trilhas, simulações ou mentorias específicas.
O mesmo pode valer para:
Adotar a lógica de casos de uso transforma o RH em um resolvedor de problemas organizacionais reais, não apenas em um ofertante de programas. A abordagem permite:
- Personalização sem inviabilidade logística: responder à diversidade de contextos sem inflar o número de personas.
- Aproximação entre estratégia e execução: cada caso de uso parte de uma necessidade real do negócio, conectando aprendizagem à entrega de valor.
- Preparação para a IA: casos de uso criam a estrutura ideal para nutrir bases de conhecimento que serão usadas por modelos de IA no futuro (ex: copilotos internos, assistentes de performance).
- Foco em resultado, não em atividade: a performance é medida com base na efetividade da resposta à situação crítica, não no número de horas de curso completadas.
1. Escute o chão da fábrica (literal ou metaforicamente)
Casos de uso não nascem na sala de planejamento. Eles emergem da escuta ativa dos problemas reais enfrentados pelos times.
2. Priorize situações críticas de negócio
Escolha onde há maior impacto (risco, custo, cultura, experiência) e mapeie os principais desafios operacionais.
3. Crie formatos rápidos e úteis
Vídeos curtos, checklists, manuais visuais, simulações de decisão — tudo desenhado para responder ao caso de uso, não a uma trilha genérica.
4. Teste e evolua como produto
Trate o caso de uso como um MVP: entregue, colete feedback, melhore. A lógica é de produto, não de projeto fechado.
5. Alimente as futuras IAs com casos de uso reais
Estruture a base de conhecimento com essas situações. No futuro, a IA poderá sugerir conteúdo, processos e decisões com base neles.
Num mundo onde os papéis mudam, as estruturas se desconstroem e a velocidade é um imperativo, talvez o que nos ancore seja justamente o mais simples: o uso real das coisas.
Aprender, afinal, nunca foi um fim em si mesmo. É um meio para fazer, para decidir, para transformar.
Casos de uso nos lembram disso. Eles deslocam o foco da identidade para a utilidade, da intenção para a ação, do genérico para o contextual.
Se o futuro é complexo, que venha com casos reais e respostas concretas.